Numa velha adega em terra batida de ÓBIDOS começa hoje a conferência da rede Clusters Criativos em Territórios de Baixa Densidade e que envolveu cidades do Reino Unido, Espanha, Itália, Roménia, Finlândia e Hungria. Para além de uma intensa cooperação, foi possível demonstrar alguns objectivos que são particularmente pertinentes na difícil conjuntura que Portugal atravessa. Primeiro, que a criatividade é um excelente veículo de regeneração económica, social e até política; segundo, que os territórios, independentemente da sua dimensão, se tornam mais competitivos disputando a chamada classe criativa, pois esta é cada vez mais exigente com a qualificação do território, colocando ênfase na resposta integrada a quatro simples necessidades do ser humano: trabalhar, viver, conhecer e divertir-se. A simplicidade de conseguir responder bem a estas quatro necessidades é apenas aparente, pois a complexidade na articulação de políticas é mais elevada do que parece. Hoje, ninguém quer ser um dormitório, nem um local só de trabalho, despido de qualquer dimensão de lazer ou de conhecimento.
Por outro lado, esta rede veio confirmar a fragilidade de alguns mitos. A começar, pelas teses de que só as megacidades têm amenidades para atrair a classe criativa; depois, o equívoco entre indústrias culturais e indústrias criativas, sendo que a cultura é uma indústria criativa, mas não a monopoliza; terceiro, a maior atenção dada ao capital humano, as human solutions, como dizem os finlandeses, numa reacção à exagerada panaceia tecnológica das últimas décadas. Por último, sendo a criatividade uma forma de inteligência, esta deve ser universal e ser disseminada por todos, das escolas às empresas.
O caso de ÓBIDOS, que coordenou esta rede, serviu para demonstrar o choque criativo que fizemos na última década. Criámos âncoras: grandes eventos e fortes investimentos norteados pela criatividade. E, na crise actual, vimos chegar dezenas de empresas à incubadora do Parque de Ciência e Tecnologia, a ABC – Apoio de Base à Criatividade. Para além disso, centenas de jovens estão envolvidos nos novos ateliers criativos dos complexos escolares e plataformas de co-working, como o ODesign, que juntam mulheres reformadas e desempregadas com jovens designers, reforçando o nosso ecossistema criativo.
No futuro, queremos introduzir mais dinâmicas de accountability, através do que designámos de pegada criativa, fortalecendo a cultura dos resultados, demonstrando que é fundamental medir as “emissões criativas” e, acima de tudo, que o futuro se faz de um conjunto de pequenos passos que estão ao alcance de todos. Hoje, mais do que dimensão territorial, o mais importante é conseguir activar o maior número de neurónios.
No momento que o país atravessa, faz sentido repensar o nosso modelo de desenvolvimento à luz desse princípio e buscar um paradigma ao nível da nova governação, que assente no potencial renovador e refundador das ideias perante os actuais modelos esgotados. Elogiei Pedro Passos Coelho por ter tido a coragem de assumir essa refundação e estou certo que só a sua característica out of the system lhe permitiu essa ousadia. As eleições de domingo revelam a vontade do povo em aceitar esse processo de refundação do Estado e da sociedade. Será sempre em função dessa dialéctica que nos teremos que reencontrar, tendo, cada vez mais, um Estado coordenador e menos interventor, que aposte na reinvenção social e que, ao mudar programas como as Novas Oportunidades, o faça desafiando e certificando as competências das pessoas quanto às suas capacidades de criar.
Também o Rendimento Social de Inserção pode ser impregnado com esta abordagem permitindo que gente muito pobre ou desempregada contribua com os seus saberes e talentos em troca de uma espécie de Rendimento Criativo de Inserção. Só a partir de soluções humanizadas e dos seus resultados conseguiremos convencermos que o esgotamento financeiro do Estado oferece uma oportunidade de maior libertação e dignificação da pessoa humana.
Em Portugal, ao nível da governança, cometeu-se o erro de introduzir as indústrias criativas no Ministério da Cultura e de, apesar dos apelos do Presidente da República, para se apostar mais nesta área, o que recebemos de herança anterior foi escasso. Mais do que prometer livros brancos, é preciso agir com acções concretas, com coordenação e instrumentos de política adequados. O velho Estado tem que dar lugar a uma plataforma governamental que coordene a chamada Economia da Criatividade, onde as formas de descoberta e desenvolvimento de talentos portugueses possam unir no mesmo objectivo educação, cultura, economia e diplomacia.
A ênfase dada ao capital humano e os resultados que países como o Reino Unido mostram é que esta área já vale 8% do PIB britânico e nunca é de mais relembrar que Gordon Brown não deixou para outros o lançamento da estratégia Creative Britain. Talents for Economy. Num país que está como está, não podemos pedir mais Estado e aumentar a despesa, mas podemos com criatividade transformar serviços públicos e reorganizar pessoas. Deixo uma última proposta, que algumas das nossas embaixadas e consulados adoptem um cariz de soft diplomacy e se transformem em showrooms de um país criativo. É neste prisma que Portugal deve trabalhar para a sua pegada criativa e, neste caso, aumentar as suas emissões.
Telmo Faria Presidente da Câmara Municipal de ÓBIDOS
In Jornal Público, 09 de Junho de 2011