“O populismo cresce onde há ignorância”

FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos

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A escritora Inês Pedrosa defendeu, ontem, 16 de Outubro, que a escola devia ensinar política nacional e internacional, para dotar os alunos de conhecimento, que lhes permitiria ter um espírito crítico. “O populismo cresce onde há ignorância”, avisou, durante uma conversa com os jornalistas e escritores brasileiros João Gabriel e Afonso Borges sobre “Populismos e participação política dos intelectuais”, no FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos.

Autor do programa de entrevistas sobre literatura “Sempre um papo” há 35 anos, período em que entrevistou mais de dez mil pessoas, Afonso Borges reconheceu a dificuldade dos intelectuais brasileiros em enfrentar o populismo. “Vivemos assuntos com que não sabemos lidar, porque o nosso chão é a verdade e os populistas só vivem a mentira.”

Afonso Borges denunciou a estratégia seguida pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e os seus apoiantes, que recorrem ao digital e a algoritmos para difundir as suas mensagens. “Sabem lidar com o mundo tecnológico com uma habilidade tremenda, fazendo com que as fake news transformem uma mentira numa verdade, implantando um sistema autoritário nas nossas vidas.”

“Mentira é um instrumento que transforma a realidade, que é isso que Trump [anterior presidente dos Estados Unidos] fez e que Bolsonaro está fazendo também”, alertou o jornalista e escritor. “O ponto zero do populismo é a destruição dos intelectuais, da Cultura, da diversidade, a anulação da nossa força”, afirmou. “O populismo tecnológico também é a destruição das bases culturais.”

O autor de “Sempre um papo” lamentou ainda que, na semana passada, Bolsonaro tenha cortado 85 por cento da verba para a Ciência. “Isso representa o fim de bolsas de estudo, de pesquisas e de universidades. Estamos à frente de um campo de destruição, onde a Cultura e a Ciência são os alvos número um”, disse.

Especialista em ciência política, João Gabriel Lima citou Jan-Werner Muller, autor do livro O que é o populismo?, para explicar que os populistas encaram a democracia como “uma grande confusão, uma coisa muito complexa, porque é muita gente que pensa diferente sobre várias coisas”, pelo que tentam apagar essa grande diversidade. “Só tem dois lados: eu, o salvador da pátria, o salvador do povo, e quem está contra mim.”

João Gabriel Lima explicou que os intelectuais e os jornalistas são vistos como profissionais que dizem a verdade e que o movimento antidemocracia construiu um sistema paralelo, que acredita em Bolsonaro e em fake news, e que diz que “o Brasil está a ser vítima do comunismo internacional e o presidente é o único que pode combater isso”.

“Quem se opõe aos populistas são os intelectuais, a quem Bolsonaro chama elite de Nova Iorque e diz estarem contra o povo”, afirmou João Gabriel Lima. “Os intelectuais têm de se opor de uma maneira veemente”, defendeu, embora tenha questionado se devem ser tão violentos quanto o presidente do Brasil ou alguém que persegue os factos e a verdade a um nível mais alto.

Inês Pedrosa considera que “não vale a pena debater com os populistas, num registo de grosseria, porque o populismo funciona numa lógica de ressentimento”. “Faço questão de não dar nenhum eco ao populismo [redes sociais], porque isso gera clickbites. Nunca falo no nome do líder de extrema-direita [em Portugal], nem no partido dele.” A escritora deu também o exemplo da campanha de Donald Trump contra Hillary Clinton, em que a candidata democrata foi transformada em inimiga, um registo habitual entre os populistas.

“Trump, um capitalista, dizia que ela [Hillary Clinton] estava feita com o grande capital, e que ele é que era o homem do povo. Conseguiu passar essa imagem e que ele nada tinha a ver com o capitalismo, quando ele era o seu expoente, também graças aos media”, denunciou Inês Pedrosa. Alertou ainda para a existência de populistas na Europa, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que quer continuar na Europa, mas não quer igualdade entre todos. “Criam um estado paralelo que acaba por instituir o terror. Tudo pode acontecer quando o estado democrático é minado nos seus alicerces.”

Informações em obidos.pt e foliofestival.com.

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