Jornalista e escritora turca, Ece Temelkuran considera que há uma falta de vontade generalizada em lutar contra fascistas, como Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil, e Boris Johnson, Primeiro-Ministro do Reino Unido. “As pessoas perderam a fé na humanidade”, disse, durante a sessão “Fim das democracias”, que decorreu ontem, dia 23, no FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos.
Ece Temelkuran defendeu que esta atitude se reflete também no alheamento dos cidadãos face a outros problemas, como as alterações climáticas. “Estamos quase a lamentar-nos do que vamos perder. Estamos a fazer o luto do mar e das árvores, porque sabemos que no futuro não vão lá estar, porque estamos sujeitos a Bolsonaros e a Boris Johnsons.”
“A esperança é muito frágil para os tempos em que vivemos. A fé é a esperança na humanidade, mas perdemos esta fé e é por causa disto que não estamos a agir”, afirmou a jornalista turca. “Temos de nos focar nas questões reais. Se queremos continuar à face da Terra, temos de falar na política das emoções”, aconselhou, estratégia que diz ser seguida por Donald Trump, anterior Presidente dos Estados Unidos, e por Bolsonaro, para manipularem os cidadãos.
Professor universitário de Filosofia Política, Daniel Innenarity lamentou que o fact checking não funcione. “Trump mentia não sei quantas vezes por dia, o Washington Post denunciava e não acontecia nada”, contou. “Quem vota nestas pessoas não quer saber se dizem a verdade. Uns porque não têm trabalho, outros porque veem que os negros e latinos não estão tão subordinados”, exemplificou. “Não estão interessados se Trump, Bolsonaro e Salvini [líder do partido italiano de direita Liga Norte] mentem. Os erros fazem parte do guião e de uma estratégia calculada.”
“Nesta altura, a grande responsabilidade não está tanto nos partidos de esquerda. A responsabilidade está nos partidos conservadores, que estão a sofrer uma crise enorme”, alertou o espanhol Daniel Innenarity. O problema, identificou, é que “os partidos conservadores clássicos não sabem o que fazer, porque estão perdidos. Sentem medo da vaga de radicalização que vem da sua direita”.
No caso da Turquia, Ece Temelkuran referiu-se ao presidente Erdogan como uma “criatura política brilhante”, por ser perito em utilizar as crises a seu favor, para ter poder ilimitado. “Erdogan pediu que dez embaixadores fossem considerados personas non gratas, por apelarem à libertação do filantropo Oscar Kavala, na prisão há quatro anos, sem acusação”, que disse ter afirmado que, com o sistema vigente, não fazia sentido defender-se. “O populismo é uma ferramenta política para ter um sistema autoritário em pleno poder, que tende a simplificar realidades complexas.”
Fracasso coletivo
O professor de Filosofia Política referiu que, quando a democracia foi inventada, as sociedades eram muito menos complexas. “Hoje há qualquer coisa que não funciona. Eventualmente um fracasso coletivo, devido à instabilidade económica, à desigualdade crescente, às alterações climáticas”, apontou. “É difícil entender quem é o responsável, porque estamos numa rede de irresponsabilidade e de mecanismos fora de controlo, que não conseguimos identificar. Se não fizermos alguma coisa, as coisas vão piorar.”
“Um dos problemas é a incompatibilidade entre os novos media e as ferramentas tradicionais. Essa incompatibilidade é cada vez mais evidente e pode ser usada pelos autocratas e pelo grande capital”, avisou Ece Temelkuran. “Uma das grandes ferramentas é o Facebook, pois não temos uma ferramenta poderosa para o gerir. Se não conseguirmos controlar a verdade, não conseguimos proteger a democracia.” Manifestou, por isso, apreensão com o facto de Donald Trump ter anunciado a criação de uma nova rede social, a que chamou The Truth [A Verdade], e a valorização de 400% da sua empresa na Bolsa de Valores, em consequência disso. “A verdade de Trump pode ser a verdade de milhões. Temos de levar isto muito a sério.”
A jornalista turca afirmou ainda que a justiça social desapareceu e as pessoas perderam a esperança na democracia. “As pessoas estão cansadas e os líderes de direita aproveitam este rancor. É uma característica comum aos países democráticos”, assegurou. Já Daniel Innenarity reconheceu que “os partidos políticos funcionam mal, mas ainda não se encontrou nada que funcione melhor.”
Informações em obidos.pt e foliofestival.com.
Nota de Imprensa